RESUMO: O presente estudo teve como objetivo discutir os limites da ética no exercício dos operadores do direito, levando em consideração o fato de que o exercício da advocacia deve cada vez mais ser pautado pela ética, uma vez que pela a ação do advogado pode se mudar o rumo de um indivíduo, de uma cidade, de um estado ou de um país. Nesse momento em que a sociedade se encontra mergulhada num “mundo” de corrupção, se buscou através do presente trabalho, estudar o fenômeno da ética e discutir os limites do seu alcance em termos operacionais para o operador do direito. Para tanto, entre outros estudos, se consultou o Código de Ética da profissão do advogado buscando sobretudo compreender seus artigos e a importância de aplica-los na prática do dia a dia do operador do direito. A metodologia utilizada, foi a pesquisa exploratória, que possibilitou por meio da pesquisa bibliográfica, estudar conceitos éticos a fim de melhor compreensão sobre o tema. Como resposta ao problema proposto, espera-se maior discussão a respeito do tema ética, sobretudo pelos operadores do direito e que estes, compreendam a importância de se trabalhar com ética, deixando para a geração futura, todo um aparato ético que por certo, fará a diferença na vida daquela. Acredita-se na importância do presente trabalho para chamar a atenção do advogado, juízes e promotores para algo que eles devem praticar cotidianamente, que é a ética, sob pena de que seu desuso, implicará em violação do código de ética da profissão, além da indução a erros moralmente não aceitos pela sociedade e mais especificamente, pelo sujeito ético.
Palavras-chave: Ética; Código de Ética; Operadores do Direito.
ABSTRACT: The objective of this study was to discuss the limits of ethics in the practice of law practitioners, taking into account the fact that the practice of advocacy should increasingly be guided by ethics, since by the action of the lawyer can change the direction of an individual, a city, a state or a country. At this moment in which society is immersed in a "world" of corruption, it was sought through the present work, to study the phenomenon of ethics and to discuss the limits of its scope in operational terms for the operator of the right. To do so, among other studies, the Code of Ethics of the lawyer profession was consulted mainly seeking to understand its articles and the importance of applying them in the day to day practice of the operator of the law. The methodology used was the exploratory research, which made it possible, through bibliographic research, to study ethical concepts in order to better understand the subject. As a response to the proposed problem, it is expected that there will be more discussion about the ethical issue, above all by the legal operators, and that they understand the importance of working with ethics, leaving for the future generation, an ethical apparatus that will, of course, the difference in her life. It is believed in the importance of this work to draw the attention of the lawyer, judges and prosecutors to something that they must practice daily, which is ethics, under penalty of its disuse, will imply in violation of the code of ethics of the profession, in addition to the induction to errors morally not accepted by society and more specifically by the ethical subject.
Keywords: Ethics, Code of Ethics, Operators of Law.
SUMÁRIO: 1.0 – Introdução; 2.0 Ética – conceitos centrais seguidos do estado da Arte; 2.1 – Ética e o dever profissional; 2.2 A deontologia, o dever ser, a ética e a importância do código de ética para o profissional em direito; 2.3 Ética, moral e o direito; 2.4 A dogmática jurídica e a abertura cognitiva: a práxis social que se revela complexa; 2.5 Considerações finais; Referências.
1. Introdução
“Viver e não ter a vergonha de ser feliz” (Gonzaguinha in memória). Assim também deve ser para os operadores do direito, trabalhar e atuar no mundo jurídico sem ter vergonha de sua atuação, porque sempre pautada na ética, não lhe sobrará rancor do seu agir e do seu atuar porque ambos terão a nobreza da ética e o respaldo da moral, que permeando toda e qualquer ação, a tornará eficaz e eficiente, tanto no mundo jurídico, quanto no social.
A complexidade do fazer humano e a contingência que marcam a sociedade contemporânea em termos éticos, são elementos que não devem ser ignorados quando se pretende fazer qualquer reflexão acerca da ética e sua relação com a prática da advocacia. Isso porque esses elementos condicionam a práxis do advogado a ter ou não um viés ético e comprometido socialmente com sua profissão. Assim, ser ético implica uma série de fatores que perpassam o aqui e agora e vão além do eu, porque implica no coletivo para ser eficiente e eficaz qualquer atitude ética.
O ser humano tem necessidade de ação uma vez que está na essência humana o agir, contudo, diante de tantas violações éticas e morais em ações humanas, urge o desejo de que toda ação seja pautada na ética e na moral. Contudo, cabe questionar, o que é a ética? O que é moral?
Carvalho e Brito (2013) consideram que a palavra ética significa “o caráter de alguém” e se baseia num conjunto de costumes instituídos por uma sociedade para formar, regular e controlar a conduta de seus membros” (CHAUI, 2012, p. 382). Quanto à palavra moral, a mesma deriva do latim mos, moris que significa “costume” e no plural refere-se aos hábitos de conduta ou de comportamento instituídos por uma sociedade em condições históricas determinadas (CHAUI, 2012, p. 381).
No contexto filosófico, ética e moral possuem diferentes significados. A ética está associada ao estudo fundamentado dos valores morais que orientam o comportamento humano em sociedade, enquanto a moral são os costumes, regras, tabus e convenções estabelecidas por cada sociedade. Ou dito de outra maneira, ética, é um conjunto de conhecimentos extraídos da investigação do comportamento humano ao tentar explicar as regras morais de forma racional, fundamentada, científica e teórica. É uma reflexão sobre a moral. Já a moral, é o conjunto de regras aplicadas no cotidiano e usadas continuamente por cada cidadão. Essas regras orientam cada indivíduo, norteando as suas ações e os seus julgamentos sobre o que é moral ou imoral, certo ou errado, bom ou mau.
No sentido prático, a finalidade da ética e da moral é muito semelhante. São ambas responsáveis por construir as bases que vão guiar a conduta do homem, determinando o seu caráter, altruísmo e virtudes, e por ensinar a melhor forma de agir e de se comportar em sociedade. https://www.significados.com.br/etica-e-moral/
A ética é necessária ao exercício da advocacia por se constituir de valores que orientam o comportamento e a atuação dos profissionais, moldando sua conduta a fim de que busquem melhor aplicação do senso de justiça à sociedade. Nesse ponto, o exercício da advocacia exige conduta compatível não só com os preceitos do Código de Ética ou Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, mas também com os princípios da moral individual, social e profissional, devendo o advogado ser um defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da justiça e da paz social (MONTEIRO, 2015).
A ética se caracteriza pela garantia das expectativas morais como prática de um comportamento reflexivo e cognitivo e que por ausência de referências éticas, se dão socialmente na frustração de intenções equivocadas por interesses pessoais acima dos interesses coletivos.
O comportamento ético do advogado constitui medida essencial para a relação profissional e até mesmo pessoal, dos envolvidos. Portando-se de forma ética, o advogado deve construir um pilar moral sólido, conduzindo suas relações de modo a trazer respeitabilidade para si e para sua classe, permitindo, assim que, diante da deficiência do Estado para resolver os problemas dos cidadãos, essa possa atuar em prol da comunidade.
2.0 Ética – conceitos centrais seguidos do estado da arte
La Taylle (2010) observa que as palavras “moral” e “ética” são empregadas como sinônimos. Uma das primeiras possibilidades de separação entre os termos refere-se ao fato de se reservar a palavra “ética” a deveres de ordem pública, como por exemplo “ética da política”, “ética da empresa”, “código de ética profissional”. Os códigos de ética por exemplo trazem normas que devem, de maneira obrigatória, reger as atividades dos profissionais, e essas normas tem por base a moral legitimidade pela sociedade. Uma outra possibilidade de diferenciação é reservar a palavra “ética” para os estudos científicos e filosóficos” do fenômeno moral e esta é a diferenciação mais empregada no meio acadêmico.
Nalini (2004) considera que a ética não se confunde com a moral, pois a primeira é a ciência dos costumes, já a segunda não é uma ciência e sim o objeto da ciência. Assim, cabe a ética retirar dos fatos morais os princípios gerais a serem aplicados. Dessa forma, a ética é desconstrutora e fundadora, enunciadora de princípios ou de fundamentos.
Bretas (2018) acredita que a ética é a parte da filosofia que estuda os valores morais e que também se refere ao conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão. Neste interim, atribui ao advogado, dentre outros pontos fundamentais em suas funções, a necessidade de difundir o conceito da palavra ética. Isso porque, o advogado representa uma referência dentro da sociedade e possui em suas mãos a competência intelectual para disseminar a essência da ética. Essa disseminação é essencial para o exercício da advocacia.
Monteiro (2015) acredita que o papel do advogado seja o de regulamentar o funcionamento da sociedade e o exercício da advocacia, indispensável à representação de interesses maiores, sendo sua atuação permeada por diferentes setores da atividade humana. O próprio termo “advogado” refere-se a alguém que foi chamado perante a justiça para defender interesses que lhe são confiados. A advocacia surgiu com a necessidade de patrocinar as partes, com os conhecimentos jurídicos do advogado, o acesso a justiça daqueles que necessitam. Isso foi algo que demandou séculos até que se disciplinasse com regras próprias o exercício da profissão.
Villas Boas e Svoboda (2017) observa que o Novo Código de Ética do Advogado mantém o seu Título I como “Da ética do Advogado” alterando a denominação do Capítulo I de “Das Regras Deontológicas Fundamentais” para “Dos Princípios Fundamentais” o que impõe ao jurista compreender a distinção entre regras e princípios. No Código de Ética do Advogado foram acrescidos no Título I, os incisivos X, XI, XII, tendo sido mantidos o número de 7 artigos conforme títulos anteriores. Assim, a alteração mais importante se refere à nova concepção ofertada às normas que compõem o Código de Ética, que passam a ser interpretadas não mais como regras deontológicas, mas como princípios fundamentais.
Figueiredo (2005) observa que existem princípios que norteiam a atividade do advogado. O primeiro deles é a pessoalidade, onde o primeiro contato do advogado com o cliente deve ocorrer pessoalmente, conquistando-se assim, a confiança. Tal confiança irá definir o segundo princípio, a confiabilidade, devendo esta ser reciproca para que a relação entre o advogado e o cliente se sustente. Surge também o princípio do sigilo profissional, visto que o advogado deve proteger todas as informações obtidas no exercício da atividade advocatícia. Há ainda o princípio da não mercantilização, visto que o exercício profissional não deve ter característica mercantil.
Monteiro (2015) afirma que o respeito pela profissão e pela sociedade serve como incentivo para uma conduta ética, não podendo o advogado se associar a qualquer outro serviço profissional que implique em captar clientes ou que tenha como busca essencial o captar dinheiro.
2.1 Ética e o dever profissional
LANGARO, (1996) diz que o dever profissional do operador do direito e mais especificamente do advogado, encontra-se não só no código de ética profissional, mas, ainda, no estatuto do Ordem dos Advogados do Brasil, no Código de processo civil, no Código Penal e nos códigos de organização judiciária dos Estados da União.
Observe-se o que estabelecem alguns artigos do Código de Ética e Disciplina da OAB:
Art. 1º - O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional.
Art. 2º - O Advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
Parágrafo único – São deveres do advogado;
I – Preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;
II – Atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;
VIII – abster-se de:
a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente;
Art. 3º - O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos.
Do que se lê dos artigos acima, conclui-se que o advogado no exercício de sua profissão deve agir com decoro, dignidade, honestidade, boa-fé e que deve perseguir a aplicação da justiça para os casos em que representar seu cliente.
Infelizmente, tais preceitos, e por extensão os princípios, são em muitos casos, totalmente ignorados por alguns advogados que veem na profissão tão somente uma fonte de garantir seus honorários profissionais sem levar em consideração questões éticas, morais e não levando em consideração os anseios de seus clientes.
Notadamente a ética não é prerrogativa apenas do advogado, mas de todos os profissionais que laboram arduamente no âmbito Jurídico, com o objetivo não apenas de obterem seu sustento, mas sobretudo dignificar a profissão e honrar o juramento de boas práticas e uso sempre da boa-fé. Ética é um dever de todos, pois se depende dela – ou deveria depender nas relações não apenas profissionais, mas também humanas. É um conceito que deve permear toda a sociedade, independentemente de classe profissional, social, sexo ou credo.
A Ética Profissional, ou moral profissional podem ser denominadas também como deontologia que compreende o estudo dos conceitos básicos do direito e do dever. Desse modo, ter ética profissional significa o indivíduo cumprir com todas as atividades de sua profissão, seguindo os princípios estabelecidos no Código de Ética da profissão e também verificados pela sociedade.
O Código de Ética pode ser entendido como um paradigma a ser respeitado e praticado por todos que escolheram a profissão. Ele deve nortear o comportamento daqueles indivíduos dos quais se espera a prática constante dos preceitos éticos no exercer da profissão. Ele visa o bem-estar da sociedade, de forma a garantir a sinceridade dos membros tanto de fora quanto de dentro da instituição. Assim, cada indivíduo em sua profissão e aqui, nos referimos aos operadores do direito, tem o dever de honrar a Profissão atuando com base na ética de modo a e semear valores morais que embase sua prática diária e o transforme cada vez mais num profissional que trabalha sobretudo, respaldado na ética como preconiza o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. Por outro lado, se assim não agir, além de ser passivo de punição disciplinar conforme estabelece o Código, o operador do Direito ainda sofrerá com a reprovação social que cairá sobre ele, a partir do comportamento antiético que praticou, de modo que sentirá na pele toda uma negatividade por não observar em sua prática, os preceitos éticos como todos esperam que seja usado.
2.2 A deontologia, o dever ser, a ética e a importância do código de ética para o profissional em direito
Deontologia Jurídica é a ciência que especifica os deveres e os direitos dos operadores do direito, bem como trata dos seus fundamentos éticos e legais. Do ponto de vista etimológico, Deontologia vem do grego deonto (dever) e Logos (estudo), trata-se da origem, incidência dos deveres e consequentemente dos direitos inerentes ao comportamento e da liberdade individual em quanto sociedade justa, social e equilibrada, trata-se da ciência dos deveres. Desse modo, Deontologia Jurídica é essa ciência aplicada àqueles que exercem alguma profissão jurídica, em especial os advogados, magistrados e promotores de justiça.
O termo Deontologia foi instituído pelo filosofo inglês no século XIX, Jeremias Benthan (1748 a 1832), um dos fundadores da denominada "filosofia utilitarista", no século XIX, autor da introdução os princípios de moral e da legislação de 1789, Deontologia é o nome de sua obra póstuma, de 1834, na qual procurou estabelecer uma moral em que a pena (castigo) e o prazer fossem os únicos motivos da ação humana, como regra geral, para daí fazer a distinção entre o bom e o mau, entre o bem e o mal, Langaro,1996, p. 3.
Freixo (2017) ratifica que a deontologia se refere ao estudo de um conjunto de deveres, princípios e normas reguladoras dos comportamentos exigíveis aos profissionais, estabelecidos em códigos específicos. Profissões cujas atividades ou decisões tem um maior impacto social possuem códigos deontológicos próprios. Dessa forma, seus conteúdos vão além das regras, tornando-se impossível prever todos os casos e listar as normas de atuação, assim os códigos buscam definir princípios básicos que asseguram a transmissão do seu espírito profissional. A deontologia é utilizada pela ética moderna para aplicar princípios e conclusões desta em múltiplos aspectos da vida profissional.
Lima (2017) considera que na primeira metade do século XX, a formação dos profissionais do direito se configurou, entre outras pontos, a partir de publicações coletivas de intelectuais, e isso serviu na formação de uma cultura jurídica, que se traduziu especificamente no conceito de deontologia do direito, busca produção de um tipo de comportamento que se constitui em um exemplo dentro da sociedade, baseando-se em preceitos como a ética, conceito forte no discurso apresentado por diversos advogados que conduziam em certa medida a mobilização do pensamento jurídico do Brasil. O advogado dessa forma deveria ser reconhecido como exemplo de comportamento a partir da interpretação da lei, da compreensão da justiça e da constituição da cultura jurídica, o que se refletiu em exemplo como o de Rui Barbosa e Gilberto Freire, por exemplo.
Conforme cita Khalil (2014) as normas deontológicas dentro do direito contribuem para criar a imagem do advogado como sendo um ser diferentes dos demais. Apresenta-o como alguém que está acima dos interesses mesquinhos e das necessidades que constrangem a compreensão humana. Acredita-se que o exercício da profissão pressupõe o domínio de uma série de técnicas, e no direito isso não é diferente. Assim, exige-se do advogado que ele seja qualificado juridicamente em relação às questões que lhes são apresentadas; que saiba decidir se é caso, ou não, de tratar tais questões em campo judicial, ou até mesmo que estratégia deve ser seguida para isso. Busca-se do profissional em direito um continuo aprimoramento, onde deve aprender novas técnicas para utilizar no seu dia-a-dia.
Fuhrmann (2016) diz que as prerrogativas profissionais do advogado, quer seja público ou privado, busca proteger e garantir o patrimônio, a liberdade e a honra dos cidadãos, bem como os fins sociais e institucionais do Estado, e se constituem como prerrogativas jurídicas para a defesa dos clientes e, em última análise, da própria cidadania. Além disso, a Constituição Federal define que o advogado é indispensável à administração da justiça e cumpre papel relevante no elo que liga o cidadão ao Poder Judiciário o que irá efetivar na prática o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e o próprio acesso à justiça.
Villas Boas (2017) explica que o Novo Código de Ética do Advogado traz em seu Título I “Da Ética do Advogado” que alterou a denominação do Capítulo I de “Das regras deontológicas fundamentais” para “Dos princípios fundamentais” e isso faz com que o jurista deva compreender a distinção entre regras e princípios. O novo código traz uma nova concepção em relação às normas que o compõem, que devem ser interpretadas não mais como regras deontológicas, mas como princípios fundamentais, integrando-se ainda mais aos conteúdos jurídicos e constitucionais.
Furhmann (2017) compreende que o Novo Código de Ética da OAB inova ao estabelecer condições jurídicas e éticas para a atuação na Advocacia pro bono, compreendendo-se essa como a prestação gratuita, eventual e voluntária de serviços jurídicos em favor de instituições sociais sem fins econômicos e aos assistidos por estas , nas condições onde estes beneficiários não tenham recursos para contratar o profissional. É um instrumento para a prestação de serviços advocatícios aos que são mais necessitados economicamente, como forma de ter elevada função social e interesse público exercida pelo advogado, ainda que sob certas condições e limitações.
Eugenio (2012) acredita que o advogado tenha um papel fundamental na relação humanitária e seu trabalho busca facilitar o trabalho do juiz e aplicar a justiça de modo eficaz, sendo ele que faz a intermediação do cidadão com o Estado-Juiz permitindo assim que direitos sejam garantidos conforme se declara em lei. Seu papel é de conduzir a igualdade social, o próprio bem-estar de todos, e esse papel vai além dos ofícios de sua profissão. No ato de desenvolver tal papel ele sua seu conhecimento profissional e social e luta pela aplicação da justiça. Dessa forma, a função social do advogado está exclusivamente focada na sociedade, visando sempre o bem-estar da coletividade, e jamais desvia o seu foco na busca de uma sociedade justa e igualitária enfrentando problemas diversos, mas buscando a solução dos problemas.
A Deontologia serve de base para estabelecer a Ética do Magistrado cujo dever fundamental é o de exercer a jurisdição, que lhe foi confiada no momento da investidura no cargo. Todos os outros deveres que a lei impõe ao juiz constituem, em última análise, meios para que seja cumprido esse dever. Outro dever fundamental do juiz, só não mais importante do que o primeiro, é o de conhecer o direito. As regras relativas à profissão de juiz, no Brasil, encontram-se na Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), e espalhadas também em outros diplomas legais.
Na mesma linha, prescreve que a ética do promotor de Justiça e dos demais membros do Ministério Público, está no pleno desenvolvimento de suas funções e a fiel observância da Constituição Federal e das leis. No nosso país, a ética do promotor de justiça, é regulada principalmente pelo Código Nacional de Ética do Ministério Público, contemplado na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LEI Nº 8.625, DE 12/ 02/1993), que em seu Art. 43, descreve os principais deveres dos membros do Ministério Público, além de outros previstos em lei:
No caso da advocacia, a deontologia também estabelece a ética do advogado e começa por invocar duas espécies de requisitos que o indivíduo deve preencher para exercer a profissão de advogado: os legais e os pessoais. Os requisitos legais para o exercício da advocacia, são os decorrentes da lei, diploma de graduação em Direito, inscrição na OAB etc. Estes requisitos conferem ao profissional, capacidade técnica e legal para o exercício da profissão. No que tange aos requisitos pessoais, estes não estão previstos em leis, e dizem respeito à personalidade do advogado, aos seus atributos morais, éticos e intelectuais. Nesse caso, será ético para exercer a profissão, o profissional que busque desenvolver cultura geral e que tenha gosto pelo seu trabalho e amor à profissão, (APPLETON, 1928, apud LANGARO, 1996, p. 44).
No Brasil, a disciplina legal da profissão de advogado encontra-se na Lei Federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil - EAOAB) e no Código de Ética e Disciplina, editado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Outras leis, como o Código de Processo Civil, trazem algumas disposições a respeito de como ser ético profissionalmente falando.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, os quais se traduzem nos seguintes mandamentos:
Lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que o ordenamento jurídico seja interpretado com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum;
Ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais;
Proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu ofício;
Empenhar-se na defesa das causas confiadas à sua responsabilidade profissional, dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses;
Comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo fervor humildes e poderosos;
Exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve a finalidade social do seu trabalho;
Aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal;
Agir, em suma, com a dignidade e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe.
Inspirado nesses postulados, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos arts. 33 e 54, V, da Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994, aprova e edita este Código, exortando os advogados brasileiros à sua fiel observância.
2.3 Ética, moral e o direito
A época atual traz à tona o termo ética, segundo diferentes acepções, e a partir de conceitos que nem sempre se alinham na mesma direção. Muitos livros sobre a história da ética apresentam diferentes conceitos e em alguns deles existem explicações mais ou menos detalhadas, incluindo a relação com o conceito de moral e mostrando uma visão panorâmica da histórica da ética. Lins (2013) traz uma frase conhecida de Hipócrates que afirma que “a ética visa sempre eliminar o sofrimento, seja chamado doença, no organismo ou injustiça, na comunidade humana”, de forma que a visão de ética se associa a uma ação de cura. Tal metáfora insere que a ética não é algo de vivencia privativa, mas uma prática social que visa a soluções também sociais, de forma que a ideia de ética não se aprisiona a um conceito, mas aparece em sua finalidade, sendo especificamente social embora mostre a ação de cada pessoa no que diz respeito a lutar contra a injustiça.
Figueiredo (2008) explica que Aristóteles (384-322 a.C) considerava o homem como um animal político, o que remete à sua natureza social. Em seu livro Ética a Nicômaco, o autor cita que a ética nos ensina a viver, e que ela para ser vivida é práxis e não, propriamente, theoria ou póesis. Disso, pode-se deduzir que a ética se instala em solo moral, visto que ela se depara com uma experiência histórico-social no terreno da moral. Daí pode-se definir ética ou filosofia da moral como a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito dos fundamentos da vida moral.
Por sua vez, Nosella (2008) considera que o termo ética está associado ao termo moral, onde surge a dúvida de que os mesmos sejam sinônimos. No entanto, isso não acontece, pois etimologicamente, embora tanto a língua grega como a latina utilizem os dois termos, éthos se inscreve particularmente na cultura da Grécia clássica, e o termo mos-moris inscreve-se na cultura romano-latina. A civilização latina herda o conceito de ética do debate filosófico da Grécia clássica e preserva o sentido de reflexão teórica. Dessa forma, o termo ética significa, em primeiro lugar, o ramo da filosofia que fundamenta de forma cientifica e teórica a discussão sobre valores, opções (liberdade), consciência, responsabilidade, conceitos de bem e de mal, de bom e de ruim, dentre outros, enquanto o termo mos-moris (moral) refere-se aos hábitos, costumes, modo ou maneira de viver. Dessa maneira qualifica-se um certo hábito ou costume de virtuoso ou vicioso e um certo modo de agir ou viver de moral ou imoral. No entanto, o termo ética, por remeter a fundamentação filosófica da própria moral, não se qualifica.
Lins (2013) acredita que a iniciação aos elementos da ética é feita na família, e que posteriormente o indivíduo ao ingressar no sistema educacional começa o seu processo de construção ética. No entanto, antes de se observar a presença da ética na sociedade, como um conjunto de práticas virtuosas, é possível descobrir que estas começaram a ser apreendidas na vida familiar. Nesse raciocínio, uma pessoa sozinha não realiza a ética, nem a moral acontece na vida isolada de alguém, pelo contrário, qualquer que sejam os conceitos que se tenha de ética e/ou de moral, somente nos relacionamentos humanos eles podem ser observados. Assim, é a partir do relacionamento das pessoas dentro da sociedade e nas decisões esperadas para esses momentos que aparecem a ética e a moral, pois estas são o fundamento básico da vida em comunidade.
Trazendo a concepção de ética e de moral para o campo do direito, Weber (2015) considera haver uma controvertida relação entre ética, direito e moral e que esta relação é objeto de intenso debate entre autores. Para o autor, a distinção entre regras e princípios é comum a eles e indica uma fundamentação moral do jurídico e do político. A justificação pública de leis e princípios, considera o critério da reciprocidade e o da universalidade. Partindo da distinção kantiana entre leis éticas e leis jurídicas a partir das leis morais, considerando-se os “contextos de justiça” de Forst e o debate entre liberais e comunitaristas, pode-se estabelecer uma relação entre os três níveis que envolvem uma teoria da justiça.
Melo (2012) explica que Forst estabeleceu quatro contextos de reconhecimento reciproco – como pessoa ética, pessoa do direito, cidadão com plenos direitos, pessoa moral – e esses correspondem a diferentes modos de justificação normativa de valores e de normas em diferentes comunidades de justificação. Tal divisão anterior faz com que as pessoas se situem em determinados contextos (ético, jurídico, político e moral), e ao se defrontar com possíveis conflitos normativos, as pessoas lidam com questões práticas que precisam ser respondidas com boas razoes e onde se exigem justificações determinadas. Ou seja, ainda que os conflitos normativos sempre devam ser resolvidos por pessoas situadas no interior de contextos intersubjetivos é preciso diferencia-los e entender que as questões práticas surgidas exigem respostas justificadas de formas diferentes.
Weber (2015) também se referindo a Forst considera que os níveis jurídico e político de modo geral coincidem, uma vez que as leis jurídicas têm sua vigência em determinada comunidade política. Dos diferentes conceitos de pessoa resultam diferentes conceitos de justiça, no entanto eles não se excluem. Trata-se da mesma pessoa enquanto faz parte de uma comunidade ética, de uma comunidade jurídica, de uma comunidade política ou de uma comunidade dos seres humanos (a comunidade moral). As regras jurídicas podem não coincidir com os valores éticos, pois estes não exigem uma justificação pública e podem não ser universais. Nesse sentido temos a neutralidade ética do Direito. Mas os valores éticos precisam de proteção de leis jurídicas, na medida em que caracterizam a identidade das pessoas. O jurídico protege o ético e assim deve permanecer.
As leis éticas não têm a mesma pretensão das leis morais. Diferem nos níveis de abrangência: as leis morais valem para todas as diferentes comunidades éticas e jurídicas. As leis jurídicas, por sua vez, valem para as diferentes comunidades éticas que compõem a comunidade jurídica. Violar um direito humano é violar, acima de tudo, um direito de um ser humano enquanto tal, independente de seus valores éticos e seu status jurídico. Um valor ético pode não ter, e via de regra não tem, a pretensão de passar pelo teste da universalização, pois se refere a uma identidade individual e a uma determinada concepção de vida. A condição de pessoa de direitos se refere a proteção de sua identidade ética. O fato de serem portadores de direitos subjetivos faz com que todas as pessoas se encontrem em uma mesma base comum, sejam quais forem as suas convicções éticas (WEBER, 2015).
Beçak (2007) observou que a preocupação com a delimitação do campo da ética-moral e do direito e suas interações, vem por praticamente toda a história. Dessa forma, se para Aristóteles a questão era de certa forma clara, na medida em que a ética dizia respeito ao cumprimento da virtude, do que é reto, o direito ia pelo caminho do cumprimento da norma, ocupando campos muitas vezes excludentes, outras vezes não. Dimoulis (2003) apud Beçak (2007) acredita que existem cinco teses sobre esta relação, sendo elas:
a) Os mandamentos jurídicos e morais coincidem (tese da identidade);
b) As regras jurídicas constituem o núcleo das regras morais (o direito como mínimo ético);
c) As regras morais constituem o núcleo do direito que compreende muitas normas moralmente indiferentes (a moral como mínimo jurídico);
d) As regras jurídicas são aparentadas com as morais, sendo impossível criar e interpretar o direito sem considerar a moral (tese da conexão);
e) Entre ambos os ordenamentos, há plena e absoluta separação (tese da separação).
Zanon Junior (2014) acredita que ética, moral e direito são esferas que estão intrinsecamente interligadas, numa confluência inseparável, não só pela gradação histórica de passagem de uma para outra, mas também pelas características complementares entre si. A moral reflete a pauta valorativa de cada pessoa, que serve de critério de julgamento, visto que o intérprete não tem como blindar suas operações mentais em relação aos próprios preconceitos que emprega como base deliberativa. A ética, de outro lado, representa os valores sociais dentro de determinado grupo cuja importância é determinante para estabelecer as políticas públicas que serão implementadas, pois estas refletem as opiniões axiológicas compartilhadas em sociedade. A eticidade pode vigorar em uma corporação, em uma cidade, e mesmo em um país inteiro e isso fará a diferença principalmente em termos de não corrupção. E, por fim, o direito representa o instituto imprescindível para orientar as decisões em sociedade, pois irá consubstanciar a fixação segura das políticas públicas que serão promovidas bem como dos padrões axiológicos que irão prevalecer em determinada comunidade, que geralmente são unificados por meio dos textos legislativos.
2.4 A dogmática jurídica e a abertura cognitiva: a práxis social que se revela complexa
Dogmática jurídica é a parte da ciência jurídica que expõe e classifica os princípios que serviram de fonte do Direito positivo. Assim, o dogmatismo é a tendência de um indivíduo, de afirmar ou crer em algo como verdadeiro e indiscutível, é um termo muito utilizado pela religião e pela filosofia. O dogmatismo ocorre quando uma pessoa considera uma verdade absoluta e indiscutível, o que é muito debatido nas religiões e no campo prático do direito, uma vez que compreendendo o dinamismo da sociedade, não se deve mais se colocar antolhado e se apegar a verdade outrora justificável, pela visão simplista de mundo, hoje, não mais aconselhável pela própria dinâmica que a vida impõe a todos.
A Dogmática Jurídica é o estudo cientifico das normas e regras já postas ou vigentes. É o estudo sistemático do Direito Positivo e aborda os problemas da aplicação Jurídica. Para Miguel Reale (2001), é o "estudo sistemático das normas, ordenando-as segundo princípios e tendo em vista a sua aplicação".
Analisar o problema da dogmática jurídica pressupõe a necessidade de considerar, que só vale a pena insistir no tema de seu estudo e caracterização porque a partir daí, é possível sublinhar que se trata de um saber que tem, sobretudo, uma finalidade prática, destinado a dirigir e corrigir o funcionamento do sistema jurídico no momento da aplicação, da interpretação e da produção do direito. Por outro lado, é necessário saber que colocar a dogmática numa trincheira e entendê-la exclusivamente como dogmática da “ciência do direito” representa sempre o risco de oferecer uma visão excessivamente reducionista do fenômeno jurídico ou como diz Rose, 2000 apud FERNANDEZ, Atahualpa, 2010.
(...) no que se refere a sua finalidade prática, o problema principal consiste em responder à questão de se a dogmática exerce um papel significativo nas decisões dos tribunais de justiça (controlando possíveis fontes de arbitrariedade e irracionalidade) ou se, pelo contrário, tal como denunciam alguns críticos, representa uma atividade estéril para a prática jurisdicional. A melhor resposta a essa pergunta parece dar a impressão de que a imensa maioria dos trabalhos de dogmática que se levam a cabo na atualidade adoece de uma espécie de aliança ímpia tácita entre a verborreia relativista pós-moderna e pós-estruturalista, anticientífica e anti-racionalista, e uma retórica autocomplacente, pretendidamente muito “científica”, dominada, sobretudo, por um positivismo e/ou jus naturalismo substancial ontológico e pela teoria da eleição racional: enquanto os pós-modernos fogem da realidade social, científica e política com delirantes imposturas, os outros, os "científicos", os “filósofos do direito” e os “teóricos da hermenêutica” fogem da realidade social e científica construindo triviais pseudomodelos teóricos que não passam, com frequência, de grotescas paródias argumentativas sem qualquer escrutínio empírico minimamente sério, senão carentes da menor autoconsciência respeito da realidade biológica que nos constitui, dos problemas filosóficos e neuropsicológicos profundos que implica qualquer teoria da ação intencional humana, e em particular, de uma “teoria da racionalidade” compatível com um modelo darwiniano sensato sobre a natureza humana Rose, 2000 apud FERNANDEZ, Atahualpa, 2010.
A crise da atualidade de legitimação que a nossa sociedade atravessa, não está cimentada apenas nestes aspectos da dogmática jurídica, mas também na incapacidade do nosso sistema ser reflexivo frente a resolução das demandas sociais emergentes, e diante disto, necessário se faz repensar o sistema educacional do Direito em nosso país, que nos tempos passados, incontestavelmente contou com ilustres representantes conhecidos interno e externamente como Rui Barbosa, Teixeira de Freitas, Pontes de Miranda e mais recentemente Miguel Realle, dentre outros cujas suas teses têm até hoje uma forte influência nos países que adotam o denominado Civil Law [sistema romano-germânico], ou como assevera Salas, (2007).
De fato, a dogmática (e a metodologia) contemporânea do direito se parece – para utilizar uma expressão forte, mas gráfica – a um cemitério de ideias mortas. Ali crescem, se reproduzem e morrem a diário distintas e muito heterogêneas concepções sobre o que é, sobre o que deveria ser e sobre como aplicar o direito. Cada uma das correntes, cada um dos autores, defende seu próprio conceito de interpretação e aplicação do direito, de argumentação jurídica, de racionalidade, de justiça... E surgem assim as Escolas, com seus discípulos e mestres (e não poucas vezes com seus lacaios e mentores). Não sem razão já se disse – com ironia – que a disciplina jurídica é um templo com sacerdotes e Bíblias muito distintas e com credos contraditórios. É neste templo, donde os sacerdotes formulam suas teorias propondo fórmulas e técnicas, critérios e receitas para fazer do direito uma disciplina mais justa e racional. Dentro destas propostas existe, por certo, uma grande variedade de opiniões, encontrando-se desde aqueles que postulam incondicionalmente a racionalidade dos discursos jurídicos, até aqueles que renegam de tal possibilidade restringindo-se mais bem às doutrinas do escepticismo e do desencanto Salas,2007 apud FERNANDEZ, Atahualpa, 2010.
É nessa paisagem teoricamente ambígua, hermeticamente fechada e cognitivamente hostil à práxis por parte da dogmática jurídica, que os juristas fiéis à “pureza do direito” parecem estar sempre imunes a toda argumentação que não se ajuste ao seu dogmatismo e quase místico sistema de crenças. Um tipo de resistência construída durante anos de condicionamento e cujo resultado é a incapacidade de ver também o que não estão acostumados a ver ou que não têm de antemão na cabeça, isto é, de recordar, insistir e notar somente os fatos que confirmam suas respectivas crenças e olvidar aqueles que as desafiam.
Como consequência de tudo isso, os escritos de dogmática, longe de ser um fator de humanização e de adequada dinamização da cultura jurídica, contribuem a manter as coisas como estão. Para dizê-lo brevemente, a dogmática jurídica não somente persiste em oscilar entre um pós-modernismo “sem sentido” e/ou um acusado formalismo que se corresponde com uma fase já periclitada da cultura jurídica, senão que também persevera em formular construções doutrinárias cuja principal característica e “utilidade” é a de servir como mero mecanismo de legitimação posterior à decisão. Limita-se a outorgar às decisões dos juízes um aspecto de “cientificidade”, de “racionalidade”, de “objetividade” e valor epistemológico que do contrário, se supõe, não teriam. Assim é que Rüdiger Lautmann, 1972, apud FERNANDEZ, Atahualpa, 2010, se referindo à outorgação dogmática das sentenças dos juízes, diz que “As citações literárias nos escritos das sentenças cumprem essencialmente, uma função de persuasão; ditas citações buscam outorgar à sentença a aparência de correção e de dignidade científica”.
Rüthers, 1999, apud FERNANDEZ, Atahualpa, 2010, fala, por sua parte, de uma “função de oferta” da dogmática, pondo em evidência como o uso de uma determinada construção depende de se esta lhe serve a alguém para justificar “racionalmente” sua decisão (ainda que seja arbitrária e completamente irracional). Parafraseando a Erich Kaufmann se poderia dizer, com uma frase certamente forte, que “la dogmática es la ‘prostituta’ del derecho”. Presta seus serviços àquele que a necessite para satisfazer suas pretensões pseudocientíficas. Se vende impudicamente ao melhor pagador. Entrega-se nos braços de quem (por vaidade ou por dinheiro) lhe faz propaganda a seu «saber». A dogmática se encarrega, pois, de outorgar aos juízes, seja nos casos fáceis ou nos casos difíceis e controvertidos, um catálogo de argumentos e opiniões de distinta ordem, para que escolham a que melhor lhes pareça e fundamentem dessa forma a decisão que desejam tomar.
Desse modo, fica evidente um contrassenso quando se quer atribuir à dogmática um papel essencial na vida jurídica acreditando e querendo fazer acreditar que cabe a ela tornar possível a determinação de limites e a definição de conceitos, além de uma aplicação segura e calculável do direito, subtraindo-lhe a irracionalidade, a arbitrariedade e a improvisação. Pensar e socializar assim, é fake news, é um argumento tremendamente enganoso e falaz, porque, reduzir o funcionamento, a ordem, a aplicação “segura, racional e calculável” das normas jurídicas ao atual papel desempenhado pela dogmática, é atribuir a esta, faculdades de decisão e influência que na prática não tem e nem terá jamais, pelo simples fato de não representar a realidade, mas tão somente suas crenças pautadas em visão reducionista de sociedade jurídica. É predicar, sem mais, uma inocente “concepção missioneira” do “que fazer” jurídico. “A dogmática constitui, como muito, algo assim como uma “partitura” (muito trágica, por certo) que pode orientar, em maior ou menor medida, a execução da ‘peça musical’. Mas jamais há que esquecer que a qualidade dessa peça depende, finalmente, dos músicos e não do papel” FERNANDEZ, Atahualpa, 2010.
O interessante é que surge um certo consenso crítico clamando por uma mudança de paradigma, explicitando que o atual modelo da dogmática jurídica já não atende mais às atuais exigências de justiça e bom senso provocados pelo crescente “pluralismo jurídico” do direito. Isso significa que o atual modelo dogmático, a despeito das garantias processuais, não parece dispor de mecanismos aptos para resolver o problema de como responder a pergunta central da interpretação jurídica: a de como deve proceder o sujeito-intérprete (no caso, os magistrados) frente à nova ordem social, efervescendo novas demandas para que os frutos de sua interpretação/aplicação, embora não se possam dizer rigorosa e objetivamente corretos, sejam não obstantes razoáveis, satisfatórios e que gozem de uma certa aceitabilidade social, ou, ao menos, para que não possam reputar-se intolerantemente subjetivos e caprichosos, o qual, em direito, se assemelha a uma perigosíssima arbitrariedade que põe em questão nossa própria segurança enquanto cidadãos e a segurança jurídica, pilar basilar quando se vive sob o império da lei.
E uma vez que os operadores jurídicos ainda procedem em relação a este problema de uma forma um tanto quanto arbitrária e inusitada, em que entre o atual modelo dogmático e as exigências de uma justiça razoável, satisfatória e racionalmente aceitável ainda medeia um abismo que nem sequer os gurus da hermenêutica e da argumentação jurídica parecem capazes de superar, o que trataremos de fazer a seguir é fornecer algumas ideias em torno à utilidade do trabalho dogmático, não já como uma atividade puramente teórico-cognitiva, senão como uma práxis social, e cujo valor deve ser avaliado pelo grau com que suas formulações podem ser postas em prática, em que cabe efetuar por meio delas mudanças para o bem de uma comunidade ética de indivíduos em constante processo de construção.
Nesse sentido, necessário se faz admitir que o primeiro passo para este tipo de discussão gira em torno da pergunta sobre o que é a dogmática jurídica e qual é (ou deveria ser) sua função jurídica. O que se sabe a priori, é que qualquer disciplina representa não só um conjunto de postulados lógicos unidos mais ou menos no interior de um sistema, mas também, um conjunto de atividades de algumas pessoas; quer dizer, uma maneira de vida, cujo substrato básico está baseado, irredutivelmente, por experiências vitais, prejuízos, interesses, convicções, crenças e preferências dos membros que fazem parte do grupo.
Quando definimos a dogmática como uma maneira de vida não nos referimos, por certo, ao que realizam os operadores do direito em sua esfera pessoal ou íntima, senão no que eles fazem enquanto membros de uma comunidade ética e jurídica. Isto tem que ver com métodos de trabalho, formas de aplicação do direito, controle intersubjetivo de seus discursos jurídicos. O fato de compreender que a dogmática é também uma atividade prática ajuda a incorrer em menos erros e ingenuidades e a entender a atividade interpretativa como uma atividade humana e não mecânica, dinâmica e não estática, vital e não morta.
Assim, nos damos conta de que os aspectos que conformam o direito, suas possibilidades de desenvolvimento, sua estrutura interna, etc., não apresentam só a forma ascética e imaculada que revelam os discursos jurídicos dominantes, senão que em sua formação, em sua gênese, em sua estrutura, em sua produção e reprodução, jaz sempre uma luta de interesses, de crenças, desejos, etc., quer dizer, de fatores não-lógicos e irracionais, em uma incessante dialética do câmbio. Tudo isso conforma a natureza oculta da dogmática jurídica, a qual não existe como entidade ontologicamente neutral, senão que sempre permanece sujeita às mais diversas ideologias e visões de mundo particulares e imperantes em um determinado momento e contexto histórico-social.
Portanto, é necessário reinventar e resignificar a dogmática e a metodologia jurídica, uma vez que tomar essa decisão além de ser a melhor alternativa para refinar nossos juízos ético-jurídicos e estabelecer novos padrões e critérios metodológicos sobre cimentos mais realistas, firmes e consistentes, e por assim dizer dentro do contexto social, mas que também permitirá uma maior contribuição para o desenho e a elaboração de decisões mais justas e dentro de uma segurança jurídica, do que a ilusão sobre a racionalidade ou as “emoções ideais” que gostaríamos que motivassem o comportamento humano no que se refere à atividade interpretativa.
Assim sendo, desconhecer e desconsiderar essas condições da tarefa interpretativa, cuja observação resulta simplesmente na realidade da prática jurisdicional, enfraquece a confiança da dogmática não somente no Direito, mas também no conjunto do Estado de Direito, portanto na vida das pessoas que sempre esperam mais em termos de segurança jurídica e da própria democracia como forma de governo adotada em nosso território.
2.5 Considerações finais
As considerações finais aqui introduzidas, não pretendem em nenhuma hipótese, concluir definitivamente qualquer silogismo entre ética e direito, no entanto, via de regra, há que se pensar no direito e na sua prática, sempre permeado pela ética. Por outro lado, ao sujeito ético, cabe entender o direito como norma positivada, diante da qual, para continuar sendo ético, deve observar seus preceitos. Assim, vislumbra-se que direito e ética devem estar juntos na medida em que o direito sendo norma, estabelecerá segurança jurídica quanto mais éticos forem os sujeitos sociais. A ética enquanto ciência, fará com que os indivíduos vivenciem os deveres de ordem pública, o direito por sua vez, indicará o caminho do ponto de vista da lei. E, acredita-se será assim, a ética estabelecendo as regras da convivência social pautadas no respeito ao outro e a si mesmo, enquanto o direito vai interpretando essa convivência e dela retirando para seu bojo, as práticas que condizem com os preceitos legais, para se for o caso, normatizar, positivar esse ou aquele comportamento do ser em sociedade. Desse modo, espera-se que o profissional e operador do Direito, aja sempre com base em preceitos éticos e que paute sua vida pessoal de maneira coerente com o agir profissional, o que por certo, ajudará de maneira direta na construção de uma sociedade cada vez mais democrática. Por outro lado, caso o operador do Direito não observe essas nuances entre ética e Direito e ouse ficar desprovido do dever ético em sua labuta diária, estará relegando seu compromisso social de cuidar de si e do outro, mas também estará entrando em conflito com os preceitos de sua profissão e com o código ao qual deve zelo e observância. Se agir assim, ou seja, sem observar o código de ética do advogado, estará sujeito a sofrer sanções e até punições disciplinares.
Portanto, a todos, cabe ser eticamente correto na sociedade, respeitando os bons costumes e agindo de forma a preservar o equilíbrio social. Ao advogado, cabe ser antes de tudo ético, usar a moral para praticar seus atos e respeitar o direito como meio de promover a justiça social em nossa sociedade.
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Especializando em Gestão Pública EAD pela Universidade do Vale do São Francisco - UNIVASF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Edson Dias de. Os limites da ética no exercício dos operadores do direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /52449/os-limites-da-etica-no-exercicio-dos-operadores-do-direito. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Milena Calori Sena
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